Por: Aristóteles de Paula Berino (Professor do Departamento de Educação e Sociedade do Instituto Multidisciplinar da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ).
"E ass
im vai-se dando, pelo flanar dos tempos, uma interminável criação de adereços no mundo, como se a vida fosse intrinsecamente uma obra de arte que não poderia, portanto, furtar-se à sedução do olhar do outro."
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[Aldo Victorio Filho (2001: 62/63) ]
Toda escrita produz imagens. Mesmo sem conceber, o autor de um texto é, em um certo sentido, um artista primal. O que diz, de caráter memorável ou fugaz, é feito com apliques, em uma superfície transformada pela impressão que projeta. Aquele que escreve é assim um artista especulativo do efeito que poderá causar com as letras que desenha. Escreve e faz iluminuras, esperando que suas palavras provoquem uma vertigem, que uma cena apareça e uma ficção se realize. Gesto ancestral de produzir e deixar mensagens, gravando na matéria da natureza a natureza incompleta e desviante do ser, imagens que reclamam visibilidade para disposições insurgentes, desacomodadas que estão entre algum princípio de realidade e instintivas vontades. Coisas assim não se podem guardar, precisam ser levadas adiante, com a esperança de alcançar a solidariedade compreensiva de algum vidente, alguém que também ame as fantasias e percorra o descaminho.
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Nas escolas, muito se escreve. Nos cadernos, no livro de exercícios ou nas provas, nossas alunas e nossos alunos são chamados a escrever e dizer o que pensam, o que imaginam e o que sonham. Esperamos encontrar um retrato do que aprenderam, do que a escola é para eles e até do que somos em suas vidas. Eventualmente, alguma coisa encorajadora para a professora e o professor é vista. E damos crédito ao nosso pedido de revelação. Mas a contrapelo das nossas ordens e expectativas, o copista escolar é também o artista que persegue a alteridade das imagens que produz. As folhas pautadas de um caderno, o papel ofício ou a folha tamanho A4 são mídias demasiadamente rarefeitas para manifestar uma lancinante imagem da existência e impróprias para narrar cosmovisões juvenis diante daqueles que estão inconscientes da linguagem pictórica da comunicação deflagrada pela escrita.
Vejam a
foto com o menino que faz seus trabalhos escolares. O que mirei foi sua prodigiosa figura. Há, no seu rosto, uma misteriosa serenidade, que faz indagar sobre a inefável escrita dos seus sonhos enquanto cumpre o trabalho escolar. Mas é o invisível da cena original, o que não vi quando dirigi a máquina para aquele canto da sala, que se revela na fotografia. Aparece um platô, a superfície mais lisa para uma multidão de escribas e receptores conectados na prática: “Te amo”, dito no recôndito do espaço escolar, lugar onde proibimos manchar, mas colonizado pela irreprimível ação da comunicação. Transmissões que indagam a imagem pedagógica da posteridade que a escola promete e exaltam o cotidiano vivido. Enquanto Venâncio, professor do Ateneu, dizia para os seus alunos que o mestre (Pompéia, 2003: 11), “escolta-nos assíduo como um anjo da guarda, a sua lição prudente esclarece-nos a jornada inteira do futuro”, meninos e meninas advertem: “Não há tempo q volte... Vamos viver tudo que há para viver”. Assim como os muros parisienses de 1968 anunciavam que era impraticável empenhar a vida naquilo que ainda está por vir, meninas e meninos desconfiam do destino: “P/ os formandos: vivam, aproveitem, pois estes são os últimos dias felizes de suas vidas. Ass. Nazistão”.
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REFERÊNCIAS
– POMPÉIA, Raul. O Ateneu. São Paulo: Nova Cultural, 2003.
– VICTORIO FILHO, Aldo. Poéticas visuais cotidianas. In: OLIVEIRA, Inês Barbosa; SGARBI, Paulo (orgs.). Fora da escola também se aprende. Rio de Janeiro: 2001. p. 51
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